O USO DE “ROBÔS” PELOS LICITANTES: COMENTÁRIOS A UMA POSSÍVEL SOLUÇÃO

INTELIGÊNCIA EM LICITAÇÕES

[1] Pode-se dizer que, de certa forma, o Decreto nº 10.024/2019, ao acabar com o “tempo aleatório” como critério determinante para a seleção da proposta vencedora reduz, sobremaneira, o potencial lesivo da utilização do robô, mas não tem o condão de coibir, de forma plena, a utilização dessa ferramenta””. (Rafael Sérgio Lima de Oliveira e Victor Aguiar Jardim de Amorim)


O Tribunal de Contas da União já entendeu que:

O uso de programas ‘robô’ por parte de licitante viola o princípio da isonomia.

Acórdão 2601/2011-Plenário | Relator: VALMIR CAMPELO

A Egrégia Corte de Contas entende que a utilização de dispositivos de envio automático de lances (“robôs”) em pregões eletrônicos conduzidos por meio do Portal Comprasnet, configuraria inobservância do princípio constitucional da Isonomia, visto que a utilização de software de lançamento automático de lances confere vantagem competitiva aos fornecedores que detém a tecnologia em questão sobre os demais licitantes.

O entendimento supra foi reafirmado pelo Tribunal noutras ocasiões, vejamos:

A utilização de software de remessa automática de propostas comerciais pelos licitantes conduz à vantagem competitiva dos fornecedores que detêm a tecnologia sobre os demais licitantes. Embora não haja vedação expressa, nas normas que regulamentam o pregão, do uso desse tipo de ferramenta, o órgão ou entidade responsável pela condução do certame deve, em observância ao princípio da isonomia, implementar mecanismos inibidores dos efeitos nocivos que o envio automático de lances pode criar no ambiente concorrencial dos pregões eletrônicos.

Acórdão 1216/2014-Plenário|Relator: Ana Arraes

Como se vê, o entendimento da Egrégia Corte de Contas é pacífico no sentido de afirmar que o uso de “robôs” por parte dos licitantes viola o princípio constitucional da Isonomia, entretanto, embora haja tal entendimento, não fora, até o presente momento, considerado ilegítimo pela legislação o uso de inteligência artificial no campo das licitações, e tampouco fora apresentada medida que coíba totalmente o uso de tal ferramenta. Assim, alguns autores apresentaram algumas possíveis soluções para o tema.

Destacam-se os professores [2] Luciano Reis e Júlia Ghinis, que, em 2018, apresentaram quatro soluções para a questão, vejamos:

I – Liberar e oficializar a utilização dos robôs para todos os licitantes – A Administração Pública permitiria que qualquer licitante pudesse baixar um software livre para auxiliá-lo na disputa de lances;

II – Conferir ao pregoeiro no pregão eletrônico atribuições similares as do Pregão Presencial – precisamente competindo ao pregoeiro a convocação de cada licitante para dar seu lance numa ordem pré-determinada, acabando com o tempo randômico;

III – Implementar a prorrogação do tempo para envio dos lances pelos licitantes de acordo com o interesse dos mesmos, como é feito pela companhia de Saneamento Básico de São Paulo (SABESP)

IV – Adotar lances fechados ou mais precisamente a sistemática de disputa aberta fechada, assim como no Regime Diferenciado de Contratação (RDC).

Dentre as opções acima, posiciona-se com sabedoria o nobre professor [3] Ronny Charles Lopes de Torres:

“A proposta de liberação do uso do software merece especial atenção. A atual proibição não tem impedido que licitantes utilizem essas ferramentas (robôs), já que os órgãos licitantes ou mesmo os órgãos de controle não implementaram medidas eficientes para impedir ou coibir tal uso. Em sumo, para os órgãos de controle. O uso pelos licitantes de “robôs” é errado, mas não se cuidou de inicialmente garantir medidas eficazes de detecção do uso da ferramenta tecnológica.

Numa perspectiva econômica, este quadro estimula a utilização por licitantes descumpridores de regras e prejudica licitantes mais escorreitos e cumpridores das regras, compelidos moralmente a aceitar a recomendação de não utilização da ferramenta tecnológica, notadamente naqueles certames com dezenas ou centenas de itens. Esta perspectiva conduz a constatação de que a simples proibição pode gerar uma seleção adversa, permitindo que licitantes descumpridores de regras tenham vantagem competitiva em relação àqueles que, por uma higidez moral ou temor pelas regras postas, evitam a utilização dessa ferramenta que lhes daria vantagem competitiva.

Em suma, entendemos que o problema não é a tecnologia ou o uso dos robôs em si, mas a configuração do ambiente licitatório. Podem ser construídos procedimentos que mantenham os efeitos lícitos da utilização da inteligência artificial, afastando seu desvirtuamento pela atuação fraudulenta ou prejuízo à competitividade.

Sob o ponto de vista econômico, seria melhor oportunizar o uso dessas ferramentas tecnológicas para todos, do que proibir, sem ter condições de efetivamente identificar seu uso.”

Como se nota com facilidade, parece realmente sábio, sob o viés econômico, que a Administração libere, de forma controlada, o uso de inteligência artificial por parte dos licitantes, via software (“robô”) livre. Todavia, é preciso pontuar que, caso seja formatado um dispositivo oficial para envio automático de lances, visando oportunizar a todos os licitantes iguais condições (o que preservaria o princípio da isonomia), tendo como objetivo manter o benefício econômico de tal uso, o problema não estaria totalmente resolvido.  E por que não?

Porque poderiam haver outros softwares particulares com melhor desempenho, melhor performance, melhor resultado que o programa disponibilizado a todos pela Administração, assim, ainda haveriam programas “clandestinos” executando atos nas plataformas oficiais. E, se não há hoje mecanismos para identificar esses softwares e coibi-los, que garantia haveria de que isso seria realizável num futuro próximo? Quer dizer, seria possível garantir que apenas o software oficial (ou aquele permitido pela Administração) iria “rodar” nas plataformas públicas?

Assim, a solução apresentada pelos ilustres professores Luciano Reis e Júlia Ghinis, e endossada pelo querido professor Ronny Charles Lopes de Torres, conquanto pareça resolver o problema jurídico da violação do princípio da isonomia, bem como caminhe para um maior alinhamento com a inovação tecnológica, e vise manter os benefícios econômicos o uso de inteligência artificial nas licitações, ainda esbarraria na necessidade de medidas tecnológicas mais efetivas para identificar softwares particulares e os impedir de rodar nas plataformas públicas. Ou seja, o problema de hoje, ainda seria o problema de amanhã. Mas, sem dúvida, é, ao meu ver, a melhor solução, pois não nega a tecnologia, visa dar a todos iguais condições, bem como extrai da inovação o que há de bom nela, mantendo ganhos para o interesse público.

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1. OLIVEIRA, Rafael Sérgio de; AMORIM, Victor Aguiar Jardim de. Pregão Eletrônico: Comentários ao Decreto Federal nº 10.024/2019.2.reimpr. Belo Horizonte: Fórum, 2020. Pag.164.

2. GHINIS, Júlia Ribeiro; REIS, Luciano Elias. A utilização de softwares (robôs) no pregão eletrônico e as soluções eficientes para resolver o problema.

3. TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de Licitações Públicas Comentadas – revista, amp. e atualiz.11. ed. Salvador: Ed.Juspodim,2021, 1.134 p.

BERNARDO – PREGOEIRO, PROFESSOR E CONSULTOR EM LICITAÇÕES

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