DANOS CAUSADOS A TERCEIROS EM RAZÃO DA EXECUÇÃO DO CONTRATO E A RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

INTELIGÊNCIA EM LICITAÇÕES

A Lei Federal N. 14.133/2021, em seu art. 120, reza que “o contratado será responsável pelos danos causados diretamente à Administração ou a terceiro em razão da execução do contrato, o que não excluirá nem reduzirá essa responsabilidade a fiscalização ou o acompanhamento pelo contratante”.

Como bem sabemos, o dano é o primeiro pressuposto para a responsabilização civil, e pode se originar de uma conduta comissiva ou omissiva. A lesão ao direito de um terceiro pode ser patrimonial ou extrapatrimonial. Segundo Venosa, “(…) consiste no prejuízo sofrido pelo agente”.

Todavia, não basta apenas o dano, é preciso que haja também a culpabilidade, que é, como sabemos, o segundo pressuposto da responsabilização civil. Nas palavras de José de Aguiar Dias (apud Venosa) a culpa:

“é falta de diligência na observância da norma de conduta, isto é, o desprezo, por parte do agente, do esforço necessário para observá-la, com resultado não objetivo, mas previsível, desde que o agente se detivesse na consideração das consequências eventuais de sua atitude”.

O entendimento de Rui Stoco é de que “na culpa ocorre sempre violação de um dever preexistente, se esse dever se funda num contrato, a culpa é contratual; se no preceito geral, que manda respeitar a pessoa e os bens alheios (alterum non laedere), a culpa é extracontratual ou aquiliana”

Não menos importante, é o nexo de causalidade, que Cavaliere Filho define como o vínculo, a ligação ou relação de causa e efeito entre a conduta e o resultado. Ante a isso, a culpa exclusiva da vítima, o fato de terceiro e o caso fortuito ou a força maior excluem a responsabilidade do contratado, tendo em vista que rompem com o nexo de causalidade entre o dano e a conduta do agente.

Óbvio que não podemos perder de vista a Teoria da Causalidade Adequada defendida por Gisela Cruz, que enfatiza que é impossível seguir todas as causas. A Teoria em tela, para efeito de responsabilidade civil, ensina que nem todas as condições que concorrem para o resultado são equivalentes, mas somente aquela que foi a mais adequada para conduzir o resultado; a causa de um evento danoso é o antecedente não só necessário, mas também adequado à produção do resultado.

O Professor Hely Lopes Meirelles, focando em obra pública, discutiu também a obrigação da Administração pela reparação de dano a terceiro:

“o dano causado por obra pública gera para a Administração a mesma responsabilidade objetiva estabelecida para os serviços públicos, porque embora a obra seja um fato administrativo, deriva sempre de um ato administrativo de quem ordena a sua execução. Mesmo que a obra pública seja confiada a empreiteiros particulares, a responsabilidade pelos danos oriundos do só fato da obra é sempre do Poder Público que determinou sua realização. O construtor particular de obra pública só responde por atos lesivos resultantes de sua imperícia, imprudência ou negligência na condução dos trabalhos que lhe são confiados. Quanto a lesões a terceiros ocasionadas pela obra em si mesma, ou seja, por sua natureza, localização, extensão ou duração prejudicial al particular, a Administração Pública que a planejou responde objetivamente, sem indagação de culpa de sua parte. Exemplificando: se na abertura de um túnel ou de uma galeria de águas pluviais o só fato da obra causa danos aos particulares, por estes danos responde objetivamente a Administração que ordenou os serviços; mas, se tais danos resultam não da obra em si, porém da má execução dos trabalhos pelo empreiteiro, a responsabilidade é originariamente do executor da obra, que, como particular, há de indenizar os lesados pela imperfeição de sua atividade profissional, e subsidiariamente da Administração, como dona da obra que escolheu mau o empreiteiro”.

Segundo Carvalho Filho, o contratado possui responsabilidade primária pela execução do contrato, não havendo o que se falar, em princípio, em solidariedade entre o Poder Público e o contratado pelos danos causados a terceiros. A responsabilidade da Administração Pública será subsidiária. O contrato é um instrumento adequado para dispor a respeito da responsabilidade das partes (art. 89, §2º, da Lei Federal N. 14.133/21), incluída aí a responsabilidade do contratado por danos.

O art. 120 do supramencionado Diploma Legislativo, esclarece que a fiscalização ou acompanhamento da execução contratual por parte da Administração não elimina, nem reduz, a responsabilidade civil do particular pelos danos provocados. A regra é que a atividade fiscalizadora implementada pelo Poder Público não lhe transfere a responsabilidade pelos eventuais danos ocorridos. Entretanto, o defeito na fiscalização pode tornar a Administração solidariamente responsável perante terceiros, especialmente se a atividade do particular depender de prévia autorização da autoridade administrativa.

O Tribunal de Contas da União já fixou, inclusive, tese de que o fiscal da obra responde por prejuízo decorrente de serviços executados com deficiência aparente e por aqueles inexistentes que foram indevidamente atestados (Acórdão 2672/2016-Plenário). Noutro Acórdão, 3641/2008-Segunda Câmara, a Corte de Contas da União exarou o seguinte entendimento:

9. Resta analisar a responsabilidade do fiscal do contrato […]. Com base no exame do conteúdo do laudo pericial […], identifiquei a ocorrência de conduta negligente do fiscal. A natureza das falhas de execução que concorreram para o desabamento da estrutura metálica […], notadamente o erro básico assinalado pelo perito judicial relacionado à colocação da maioria das terças fora dos nós da estrutura, permite inferir que profissional qualificado […], poderia identificá-las por meio do confronto entre as plantas do projeto estrutural e o que foi efetivamente executado.

[…]

11. Assim, considerando que a negligência de fiscal da Administração na fiscalização de obra atrai para si a responsabilidade por eventuais danos que poderiam ser evitados, entendo que o Sr. […] deve responder solidariamente com a Construtora […] pelo débito relacionado à má execução da estrutura metálica e telhado do ginásio […].

Ante ao cenário acima, não pode a Administração Pública cochilar no seu dever de acompanhar e fiscalizar, de forma eficiente, a execução do contrato, ao contrário poderá ser responsabilizada solidariamente por danos causados a terceiros.

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VENOSA, Sílvio de Salvo. Novo código civil: texto comparado, código civil de 2002, código civil de 1916. 4ª. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p.33.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Responsabilidade Civil. Quarta Edição. São Paulo: Atlas, 2004, p. 27.

STOCO, Rui. Responsabilidade Civil, 2ª Ed. Revista dos Tribunais, 1994, p. 51.

FILHO CAVALIERI, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil, 11ª ed., Atlas, 2013, p. 49.

CRUZ, Gisela Sampaio da. O Problema do nexo causal na responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p.19.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 29. Ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 608.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 22. ED. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 541.

JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 18. Ed. São Paulo: Thompson Reuters, 2019, p. 1371.

BERNARDO – PREGOEIRO, CONSULTOR E PROFESSOR DE LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

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