BALANÇO PATRIMONIAL E O FATOR TEMPORAL

INTELIGÊNCIA EM LICITAÇÕES

A Lei Federal n. 8.666/93 estipula que a documentação relativa a qualificação econômico-financeira, dentre as quais, o balanço patrimonial, deve ser apresentada na forma da Lei, vejamos:

“Art. 31.  A documentação relativa à qualificação econômico-financeira limitar-se-á a:

I – balanço patrimonial e demonstrações contábeis do último exercício social, já exigíveis e apresentados NA FORMA DA LEI, que comprovem a boa situação financeira da empresa, vedada a sua substituição por balancetes ou balanços provisórios, podendo ser atualizados por índices oficiais quando encerrado há mais de 3 (três) meses da data de apresentação da proposta”

E qual a Lei que trata do prazo para apresentação do balanço patrimonial? A Lei  n. 10.406/2002, ou seja, o Código Civil. Esse código preconiza que o balanço patrimonial deve ser realizado ao final de cada exercício social, observemos:

“Art. 1.065. Ao término de cada exercício social, proceder-se-á à elaboração do inventário, do balanço patrimonial e do balanço de resultado econômico.”

Como é de sabença geral, o exercício social é o período de um ano em que a empresa realiza atividades, operações e demais eventos que tenham algum tipo de efeito patrimonial.  Logo, ao  término desse ano, é preciso elaborar um balanço patrimonial para demonstrar a situação financeira da empresa.

O prazo para deliberação acerca do balanço patrimonial, contado ao final do exercício social, é de quatro meses, nos exatos termos do Código Civil, “in verbis”:

“Art. 1.078. A assembleia dos sócios deve realizar-se ao menos uma vez por ano, nos quatro meses seguintes ao término do exercício social, com o objetivo de:

I – tomar as contas dos administradores e deliberar sobre o balanço patrimonial e o de resultado econômico”.

Diante disso, caso o exercício social se encerre no último dia do ano, o prazo do balanço patrimonial deve ser realizado até o último dia do mês de abril, pelo que, a partir do primeiro dia do mês de maio já seria exigido o balanço do exercício anterior. No caso, o balanço patrimonial do exercício 2021 tornou-se exigível a partir de 01 de maio de 2022.

Acerca do assunto, Professor Pereira Júnior conclui, judiciosamente, da seguinte forma:

o que parece razoável é fixar-se 30 de abril como a data do termo final do prazo para levantamento dos balanços e 1º de maio como a data do termo inicial de sua exigibilidade. Antes dessas datas, somente seriam exigíveis os balanços do exercício anterior ao encerrado. Assim, por exemplo, de janeiro a abril de 2004, se se quiser o balanço como prova de qualificação econômico-financeira, somente será exigível o referente a 2002.” (in Eficácia nas Licitações e Contratos. 11ª ed. rev. E atual. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 389).” (grifei)

Na mesma linha, o Tribunal de Contas da União já fixou que:

O prazo para aprovação do balanço patrimonial e demais demonstrações contábeis para fins de cumprimento do art. 31 da Lei 8.666/1993 é o estabelecido no art. 1.078 do Código Civil, portanto, até o quarto mês seguinte ao término do exercício social (30 de abril). Desse modo, ocorrendo a sessão de abertura de propostas em data posterior a este limite, torna-se exigível, para fins de qualificação econômico-financeira, a apresentação dos documentos contábeis referentes ao exercício imediatamente anterior”.  

Acórdão 1999/2014-Plenário | Relator: AROLDO CEDRAZ

Todavia, o tema não é pacífico, é, em verdade, cercado de acalorados debates e discussões, e tudo em virtude das normas criadas pela Receita Federal do Brasil, mais especificamente, uma série de instruções normativas que fixam data diferente daquela prevista no Código Civil para que as empresas apresentem sua escrituração contábil.

Atualmente (final de maio/2022) os desencontros se dão, especialmente, por conta da Instrução Normativa n. 2.003, de 18 de Janeiro de 2021, que trata da Escrituração Contábil Digital (ECD), e obriga as pessoas jurídicas, inclusive as equiparadas e as entidades imunes e isentas, a manter escrituração contábil nos termos da legislação comercial, vejamos:

“Art. 3º Deverão apresentar a ECD as pessoas jurídicas, inclusive as equiparadas e as entidades imunes e isentas, obrigadas a manter escrituração contábil nos termos da legislação comercial.”

Todavia, não são todas as pessoas jurídicas que devem observar tal obrigação, como, por exemplo, as empresas optantes pelo Simples Nacional, conforme art. 3º, §1º, e incisos, vejamos:

“§ 1º A obrigação a que se refere o caput não se aplica:

I – às pessoas jurídicas optantes pelo Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Simples Nacional), instituído pela Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006;

II – aos órgãos públicos, às autarquias e às fundações públicas;

III – às pessoas jurídicas inativas, assim consideradas aquelas que não tenham efetuado qualquer atividade operacional, não operacional, patrimonial ou financeira, inclusive aplicação no mercado financeiro ou de capitais, durante todo o ano-calendário, as quais devem cumprir as obrigações acessórias previstas na legislação específica;

IV – às pessoas jurídicas imunes e isentas que auferiram, no ano-calendário, receitas, doações, incentivos, subvenções, contribuições, auxílios, convênios e ingressos assemelhados cuja soma seja inferior a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais) ou ao valor proporcional ao período a que se refere a escrituração contábil;

V – às pessoas jurídicas tributadas com base no lucro presumido que cumprirem o disposto no parágrafo único do art. 45 da Lei nº 8.981, de 20 de janeiro de 1995; e

VI – à entidade Itaipu Binacional, tendo em vista o disposto no art. XII do Decreto nº 72.707, de 28 de agosto de 1973″.

De acordo com outra norma da Receita Federal do Brasil, a Instrução Normativa RFB Nº 2.082, de 18 de Maio de 2022, as empresas obrigadas a apresentarem Escrituração Contábil Digital – ECD referente ao ano-calendário de 2021 tem prazo até o último dia útil do mês de junho de 2022 para fazê-lo. A questão que surge daí é a seguinte: tal prazo também deve ser observado pela Administração Pública para fins de aferição de qualificação econômico-financeira das empresas, nos termos do art. 31, I, da Lei Federal N. 8.666/93?

Sem nenhum suspense e com a franqueza assustadora que me é peculiar, respondo: NÃO!

A uma porque o prazo para a Instrução Normativa RFB Nº 2.082, de 18 de Maio de 2022 não altera a Lei Federal N. 8.666/93, que, é clara ao dispor que o balanço patrimonial e demonstrações contábeis das empresas devem se dar, NA FORMA DA LEI, e estamos falando de lei em sentido estrito, ou seja, criada pelo Poder Legislativo e Sancionada pelo Poder Executivo. Não está incluso no art. 31, I, da Lei Federal n. 8.666/93, as instruções normativas da Receita Federal do Brasil, e, ao meu ver, nem poderia. Imagine se uma simples norma da RFB pudesse alterar uma lei que tramitou regularmente no Congresso Nacional e que foi sancionada pelo Presidente da República? Estaria morta a segurança jurídica!

É de conhecimento amplo que uma Instrução Normativa é uma norma de caráter secundário, que sequer está capitulada no art. 59 da Constituição Federal de 1988 (Hierarquia das Normas), não podendo restringir direito que a própria Lei não restringiu. O Código Civil, por exemplo, é uma Lei Ordinária, e não pode ser alterada por uma mera norma secundária, como supõem alguns. Querer elevar as normas da Receita Federal do Brasil acima de leis ordinárias está longe de ser a saída legislativa adequada, sobretudo quando as próprias normas da Receita Federal NÃO avocam para si qualquer competência de alteração, ou afirmam, em si mesmas, que estão alterando alguma lei em sentido estrito.

O Poder Judiciário, inclusive, possui decisões no sentido destacado acima, vejamos:

“ADMINISTRATIVO – REGISTRO ESPECIAL PARA COMPRA DE SELOS DE CONTROLE DO IPI – INSTRUÇÃO NORMATIVA N. 139/83 – ART. 153, PAR. 2. DA CONSTITUIÇÃO DE 67 – ART. 5, INC, II. CONSTITUIÇÃO DE 88.

I – A Instrução Normativa nº 139/83 não pode restringir direitos que a lei não restringiu dada sua natureza de ato administrativo, com eficácia limitada pela hierarquia das leis.

(…)

(AMS nº 91.02.00544-1/RJ, 2ª T., rel Des. Carreira Alvim, j, em 12/09/1995, DJU de 15/02/1996, p.7) (destacamos)”

Não podemos perder de vista ainda as finalidades diversas capituladas no art. 31, I, da Lei Federal n. 8.666/93, e na Instrução Normativa RFB Nº 2.082, de 18 de Maio de 2022 – a Lei Federal n. 8.666/93 trata da exigência de Balanço Patrimonial para fins de licitação, e diz, repito, NA FORMA DA LEI; a Instrução Normativa tem enfoque comercial e tributário; considerar que as duas normas detêm o mesmo objetivo é, ao meu ver, um erro grave. Quando se está em vista o processo de contratação pública, é preciso destacar essa diversidade de objetivos.

Nesse sentido o Tribunal de Contas da União, por exemplo em relação ao MEI – Micro Empreendedor Individual, que, para fins comerciais e contábeis não necessita elaborar Balanço Patrimonial, já decidiu que, para fins de licitação, tal documento deve ser devidamente apresentado, vejamos:

“9.3 dar ciência à Advocacia-Geral da União (AGU) e ao Segundo Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo – CINDACTA II que PARA PARTICIPAÇÃO EM LICITAÇÃO PÚBLICA, REGIDA PELA LEI 8666/1993, O MEI, MESMO QUE ESTEJA DISPENSADO DA ELABORAÇÃO DO BALANÇO PATRIMONIAL, DEVERÁ APRESENTAR, QUANDO EXIGIDO PARA FINS DE COMPROVAÇÃO DE SUA BOA SITUAÇÃO FINANCEIRA, O REFERIDO BALANÇO E AS DEMONSTRAÇÕES CONTÁBEIS DO ÚLTIMO EXERCÍCIO SOCIAL, CONFORME PREVISTO NO ART. 31, INCISO I, DA LEI DE LICITAÇÕES“.

(Acórdão 133/2022/Plenário-TCU)

O que explica esse entendimento diferenciado do Tribunal de Contas da União? O princípio da indisponibilidade do interesse público, ou seja, quando se está em questão o interesse social por meio da aquisição de um bem e/ou contratação de um serviço, não pode a Administração afastar a exigência de um documento que é justamente aquele que dará segurança de que a empresa contratada detém saúde financeira suficiente para execução do futuro contrato, noutras palavras, não se pode abrir mão (salvo em casos específicos, previstos na Lei Federal n. 8.666/93), para fins de licitação, de se exigir o Balanço Patrimonial, mesmo em casos em que não há essa obrigatoriedade pela legislação comercial. O interesse coletivo, da sociedade, em ter o bem a ser adquirido e/ou o serviço contratado disponível para a satisfação de suas necessidades se impõe aqui.

Além do que, uma empresa que utiliza o SPED e está obrigada a Escrituração Contábil Digital (ECD), pode perfeitamente transmitir seus registros contábeis até 30/04 do ano subsequente ao encerramento do exercício financeiro, de modo que, se houver algum prejuízo a empresa, como a perda de negócio decorrente de eventual inabilitação, a responsabilidade é da própria empresa. É óbvio que, em nome da transparência e publicidade, deve restar claro nos editais de licitação, a partir de 01 de Maio, que o Balanço Patrimonial a ser apresentado é aquele referente ao exercício financeiro imediatamente anterior, para que não ocorra dubiedade na interpretação das cláusulas do ato convocatório. Todavia, quando se está exigindo o Balanço Patrimonial NA FORMA DA LEI, e quando há um mínimo de entendimento sobre a diferença entre uma Instrução Normativa e uma Lei Ordinária, parece-me claro que está muito bem especificado no Edital qual balanço está a se exigir, ainda que a limitação da empresa licitante prejudique sua interpretação e compreensão (em tempos onde a maioria das empresas dizem contar com “especialistas em licitação” – formados em cursos online, sem experiência prática, sem formação adequada, etc – assusta-me a dificuldade de entender o básico sobre esse tema nas licitações Brasil a fora).

Aos que defendem que a Lei Federal n. 10.406/2002 (Código Civil) não fixou prazo para envio/publicação do balanço patrimonial, mas sim para deliberação da assembleia de sócios, minha recomendação sincera de que procurem se esmerar um pouco mais em sua argumentação e embasamento, eis que, me parece desinteligente supor que o legislador fixou um prazo para deliberação dos sócios sem pretender que, após tal lapso temporal, pudesse ser vislumbrado efeitos jurídicos práticos, ou seja, a sua publicação e/ou utilização. É, sob minha ótica, absurdo defender que os sócios devem realizar assembleia para deliberação acerca do balanço patrimonial, no prazo fixado pela Lei (até final de abril do ano subsequente ao encerramento do exercício financeiro), mas, após isso, podem, cruzar os braços e, conforme seu bel prazer, decidir quando é mais ou menos conveniente a publicação de tal documento. Isso é uma admissão de inutilidade da Lei, e esse tipo de entendimento igualmente inútil, na minha opinião, anarquiza o universo das normas, tornando inócuo a finalidade legal. Necessitamos de maior responsabilidade, sensatez e bom senso.

Por fim, quero apenas registrar a falta de sentido no ato de algumas empresas que não estão obrigadas a utilizar a Escrituração Contábil Digital (ECD) e o SPED, como as optantes pelo Simples Nacional, que, ao anexarem no sistema de compras o balanço patrimonial equivocado, ou seja, não pertinente ao último exercício social quando já fora ultrapassado a data de 01 de maio do ano subsequente ao encerramento do exercício financeiro anterior, passam a argumentar (tendo dar aquele velho “jeitinho brasileiro”) que teriam direito, tal qual as empresas obrigadas ao utilizar a Escrituração Contábil Digital (ECD), ao prazo dilatado, nos termos das normas da Receita Federal do Brasil. No meu entendimento pessoal, se nem as empresas obrigadas a utilizarem a Escrituração Contábil Digital detém tal direito, o que dirá aquelas que, por mera incompetência administrativa, deixam de observar o prazo fixado no art. 1.078 do Código Civil e enviam, às comissões de licitação e pregoeiros, balanço patrimonial errado. Cuidado, empresário! Será que quem representa a sua empresa detém de fato, competência jurídica para lidar com questões como essa? E se o nível de complexidade aumentar, como ficará sua empresa? Antes de culpar a Administração por erros que são seus, pense nisso!

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BERNARDO – PREGOEIRO, PROFESSOR E CONSULTOR EM LICITAÇÕES

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